quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Carta ao papai do céu

2010 chegou ao seu fim. Este ano, mais que em outros, não fui lá a "boa menina", seja lá o que queira dizer com isso. Foi um ano em que discutimos demais e quase não chegamos a um acordo. Me lembro bem de ter começado o ano com alguma esperança e vê-lo correr e terminar, enquanto meus olhos mantinham-se úmidos de lágrimas. Lágrimas tristes.
Não lembro quando foi a última vez que lhe escrevi, mas certamente foi a tanto tempo que ás vezes acho que não me recordo mais como se deve fazer. Mas este ano, depois de tudo o que foi dito, penso que o único a fazer é voltar a escrever e falar com você, um pouco mais calma...
Sei que muitas das coisas que deixo sob sua responsabilidade são na verdade minhas e que as deixo de lado por medo, insegurança ou simplesmente por preguiça.
Sei que tenho desistido rápido demais de meus planos e que em muitas vezes desisto antes mesmo de tentar. Reconheço minha culpa.
Mas também pediria que sua ajuda fosse me concedida com um pouco mais de frequência - e quem sabe, clareza, porque às vezes não desisto por nenhum dos motivos acima, mas só por não ter mais forças para lutar e me sentir tão só nesta luta.
De qualquer maneira, quero agradecer por inúmeras coisas que me aconteceram este ano. Neste 2010 que termina agora. Quero agradecer pelos amigos que conheci e pelos que consegui manter; pelos que reencontrei (estes especialmente) e pelos que mesmo à distância mantém contato. Quero agradecer por aprender, um pouco a cada dia, a ouvir as pessoas e a não me usar como modelo para elas, embora seja uma tarefa um tanto difícil.
Agradeço pelas pessoas que me amaram por todo este longo ano, mesmo quando eu as magoei e as deixei de lado para ver tv, para ler um livro que continuaria à minha espera ou por qualquer outro motivo banal. E agradecer por conseguir aprender alguma coisa com as dificuldades do ano. Agradecer por ter tido acesso a uma série de coisas, eventos e pessoas que de alguma forma puderam alterar minha forma de ver o mundo, ainda que na maior parte das vezes eu tenha escondido este aprendizado no fundo do armário, porque mudar é muito difícil.
E, claro, preciso me desculpar. Não exatamente com você, mas através de você às pessoas que abandonei, que ignorei, que magoei, que destratei por puro egoísmo, por pura má vontade. Me desculpar pelo sorriso não dado, pelo abraço negado. Pelas vezes em que me fiz de cega para não ver o que me dói, mas que certamente doía mais àqueles a quem ignorei, ou simplesmente para não ver o que não condizia com minhas crenças ou com minhas vontades.
Espero sinceramente que 2011 traga menos lágrimas de tristeza e mais de felicidade, que se possa suspirar, mas não de desânimo e sim de alegria, que se possa renovar a esperança na vida e nas pessoas, incluindo a nossa própria pessoa, uma vez que a perda da esperança em nós mesmos é uma das maiores dores e que não se pode ignorar - não por longo tempo.
Espero que o ano que começa seja mesmo bom, que as pessoas não esperem esta época para desejar felicidade e coisas boas às outras, mas que o façam todo o ano.
Que eu... Bem que eu possa por em prática o que aprendi, que possa tornar a vida de uma pessoa menos difícil e que ao menos possa fazer alguém não se sentir tão só... Talvez possa me ajudar a também não me sentir tão só.
Então, esta carta chega ao fim. Nossas discussões foram mesmo memoráveis, e ainda que eu tenha saído deveras magoada de algumas batalhas - especialmente com você - agradeço por ter permanecido aí, ouvindo e me perdoando quando, depois de um certo tempo, lhe dirigi a palavra de novo. Então, obrigada por eu ser desse jeito.
E que se abram as portas do novo ano!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Hoje



Apenas a sensação de um imenso vazio.
Uma dor que é impossível ser descrita, que sequer se pode imaginar.
Uma tristeza que invade cada centímetro do corpo, que impregna, que domina sem tréguas.
E os olhos fixos num ponto qualquer, no horizonte.
Hoje, de certa forma, o ano terminou.
E se você é incapaz de entender, talvez nunca tenha perdido todos os seus sonhos...

domingo, 28 de novembro de 2010

Eterno retorno

Mais um fim de ano. Para este blog, o terceiro. Para mim, o vigésimo-nono. E sempre é quase tudo muito igual.
Desde que me lembro as coisas não sofreram muita alteração e olha que muita coisa mudou, principalmente nos anos mais recentes.
Mas o fim de ano não.
Lá vamos nós com nossas inúmeras compras, nas infinitas filas, tentando acreditar - e alguns até conseguem - que um presentinho aqui e acolá vai minimizar todas as malvadezas do ano. Que todos aqueles "eu te amo" que não dissemos serão agora esquecidos, afinal aquele Ipod tão esperado agora será o preço do perdão... É realmente irritante.
Se houvesse mesmo um velhinho bondoso ele estaria meio triste este ano, as crianças que mandaram cartas pra ele não pedem mais paz em seus lares, nem uma comida boa pra noite de natal que reuniria a família. As crianças de hoje quase não escrevem mais cartas. Muitas delas porque não se aprende mais a escrever nas escolas, outras porque não sabem se o papai Noel tem twitter, e afinal, escrever cartas é tão démodé...
Família reunida? Ainda mais em volta de uma mesa arrumada pra isso? Não. Nós não temos mais tempo para celebrar essas coisas, nosso tempo é dinheiro e as pessoas são um tanto enfadonhas. Então, aquilo que dava um certo charme é o que anda mudando nesta época. Não para mim, a bem da verdade - há muitos anos que não me importo com isso e embora ache espetacular quando minha família se reúne, prefiro que não seja no natal.
Ah, nossas crianças hoje esperam que o eterno bom velhinho traga as novidades do mundo high tech e da moda para suas imensas meias penduradas nas janelas, por falta das lareiras... Prova disso são algumas das cartas que li outro dia numa agência dos correios. Tênis sim, mas os "de marca" original. Material escolar sim, mas aqueles bem caros, que estão em destaque nas prateleiras caras das livrarias e papelarias.
Se insistem tanto em preservar o natal, os pais esquecem que deveriam colocar nas cabecinhas de suas pequenas crias que existe algo mais que o consumo desenfreado e vazio. Que o natal tem antes, um significado místico, transcedental. Mas os pais reproduzem aquilo que são. E tapam os buracos deixados pela falta de amor e atenção, com as últimas novidades do mercado.
E o natal vem pra ajudar. Pra ajudar o comércio, as famílias a mostrarem quanto vale seu amor e para continuar me aborrecendo. A mim e ao papai Noel.

O mundo e eu


Entre o mundo e eu há um imenso abismo. E poucas vezes eu os compreendo - nem ao abismo, nem ao mundo.
Lendo sobre as novas utilizações das coisas e da vida nos tempos modernos - que alguns denominam líquido - tento entender o que pode estar acontecendo, onde está o erro e se há um erro realmente.
O tempo para mim, este mesmo dos relógios, parece correr de maneira um tanto diversa do que corre para os outros, para os que se têm acostumado chamar normais. E, ao fim e ao cabo, não me parece preocupante.
Não consigo ver como um problema.
Claro que muitos discordam disso.
Todos os dias as pessoas acordam pensando - ou não tão claramente pensando - em se enquadrar, em andar na linha, em seguir, quase que religiosamente, as normas ditadas pela sociedade. E também faço um pouco disso, posto que, como qualquer outro, sou uma cria desta nossa sociedade cruel, irônica, perversa, com um senso de humor instável e perspicaz. Que também é o que me faz amá-la e odiá-la de maneira desmedida. Tão estranho é pertencer a ela e desejar não mais pertencer...
O meu tempo, como dizia há pouco, é um tempo todo e só meu - será? - e desejo desesperadamente que eu possa mesmo fazer com ele o que me parece necessário e quando e se for necessário. Embora as pressões externas não me permitam tanto isso. De maneira que a sensação de sufocamento é inevitável.
E sigo - e seguimos - reproduzindo nosso "confortável" modo de vida, esperando que o tempo - o meu, o seu e o nosso - nos perdoe por qualquer coisa que não seja usá-lo de uma maneira mais leve, sem tantas regras, sem tantos protocolos.

domingo, 17 de outubro de 2010

Em cores


Todos os dias criava uma outra pessoa. Criava a si mesma. Com as cores de seu estojo alongava o rosto, afinava o nariz. Outras vezes fazia-se pálida.
Gostava de sua palidez forjada.
Os olhos. Estes precisavam de extrema atenção. Sua parte predileta. No arco-íris de possibilidades tinha tudo o que poderia desejar, mas os verdes eram os melhores.
Ao mesmo tempo em que mostrava sua alma, escondia de todos aquilo que era mais importante. Ela.
Todos os dias desenhava em seu rosto aquela que teria sido. E arrumava os cabelos. E encontrava no fundo se si mesma um humor compatível para a nova face que surgia no espelho.
Olhava para seu rosto de vários ângulos. Ensaiava reações. Sorria satisfeita.
Saía para a rua feliz com tantas possibilidades e, atenta, observava a reação das pessoas.
No fim do dia, a água levava a personagem tão bem elaborada. E, encarando seu reflexo, pensava em quem gostaria de ser no dia seguinte.

Diagnóstico

Não sei mais o que é viver sem dor. Todos os dias sinto como se algo surgisse ou uma velha dor se agravasse. Tarefas simples me parecem um suplício. Meus pés doem tanto que mal consigo pisar no chão sem fazer cara feia. As costas, tanto, que fica difícil dormir. Após o banho não consigo manter a toalha nos cabelos porque minha nuca dói demais. Até para escrever - que é uma das minhas grandes paixões - passo pela dor nos braços. É como se fosse uma menina de 17 anos no corpo de uma senhora de 103.
A única coisa que parece não se desfazer é o espírito, que parece mais jovem e animado a cada dia.
É claro que penso em procurar um médico, mas as necessidades do dia a dia são tantas que acabo deixando isso sempre pra depois.
Talvez seja o stress. Talvez seja apenas o corpo externalizando a dor da alma.
A dor dos sonhos não realizados, das escolhas que antes de desejar, preciso fazer. Dor dos planos que me obrigo a deixar de lado.
Talvez seja algo mais. Algo que a teimosia e os prazos a cumprir não desejem que se descubra.
Ou talvez seja apenas o cansaço. O cansaço de uma longa jornada vivida num tempo curto demais.

sábado, 2 de outubro de 2010

Neshamah

E começou a sonhar.
Em seus cabelos o forte vento trazia à mente aquele perfume penetrante. Parecia às vezes sair de sua própria pele.
Para frente a incerteza, para trás o desconhecido. Corria, e a única coisa que parecia importar era aquele perfume.
Seus pés pisavam a areia fofa e seca.
Seu coração batia apressado e forte em seu peito. Quase era possível ouvi-lo. Nos olhos, a esperança.
E na alma, a certeza de que fazia a coisa certa.
Naquelas terras estranhas, com aquele perfume preso à própria existência, dedicou-se apenas a esquecer. Esquecer tudo o que vivera até aquele instante. Todas as alegrias e todas as tristezas. O barro mesmo do qual fora feita.
O céu era brilhantemente colorido. Bem como agora, seu sorriso.
E abriu os braços. E recebeu radiante, mais uma vez, o abraço do vento.
Tentou olhar para trás. O que viu não se sabe. Havia, naquele momento mágico, feito sua escolha para sempre.
E decidiu sonhar...


sábado, 4 de setembro de 2010

Um dia para a história

Em primeiro lugar, meus parabéns a quem, a despeito do tempo, consegue tomar banho frio no chuveiro.
Pra começar, no fim da tarde de sexta feira meu chuveiro queimou. Até aí tudo bem, estava um calor daqueles e um banho frio vinha a calhar.
Era para ser um sábado perfeito: todo o serviço de casa estava pronto, não havia um único compromisso agendado para o dia, estava sozinha em casa, curtindo a mim, ao meu silêncio e aos meus gatos. Era para ser, mas...
O problema das coisas perfeitas é sempre esse "mas". "Gosto muito de você, mas..." "Adoro trabalhar, mas..." E assim vai...
Conversava com uma amiga quando de repente ouço um estouro na casa. Na hora o susto foi tão grande que quase caí da cadeira. O que poderia ser? Um ladrão arrombando a janela? Mas em plena luz do dia enquanto os desocupados vizinhos varrem a rua? Hummm... Nossa!!! Meus gatos derrubaram a tela de proteção de alguma janela!! Isso sim é muito grave. Incrível como em certas situações ficamos surdos!! Conferido cada canto, a dúvida corroendo por dentro, ouço enfim a causa do tal barulho. Vinha do banheiro social. Água. Caramba!!
Pois sim. Era isso mesmo.
Para se ter melhor noção do que ocorreu, é necessário explicar algumas coisas da casa onde moro. Primeiro que ela é muito velha. Depois que ela precisa muito de uma reforma. Uma das piores coisas nela é a descarga do banheiro social: daquelas com uma caixa suspensa sobre o vaso, apoiada na parede, fixada com uns parafusos. A caixa d'água da casa fica exatamente sobre esse banheiro, e o forro é inteiramente de gesso. Sempre me pergunto o que leva um ser humano a fazer certas coisas da maneira como fazem... Enfim... O que aconteceu foi que essa caixa sobre o vaso, pendeu com o seu peso, arrebentou o cano que a mantinha elevada e desprendeu-se do parafuso. Resultado: água por todo lado. Como a caixa d'água da casa está exatamente sobre o banheiro, da pra imaginar o estrago. Não encontrei o registro do banheiro. Corri, fechei o registro geral da casa para que ao menos não jorrasse água eternamente. Caixa vazia, sem molhaceira. Mas a desordem estava feita. Minha piscina interna apareceu num instante. E nunca imaginei que seria preciso tanto tempo para esvaziar uma caixa d'água.
Para ajudar o escoamento deixei aberta a mangueira no jardim. As plantas agradeceram muito. Outras torneiras da casa também tiveram papel importante.
Aí, para completar o cenário, o tempo deu uma virada. Não que tenha esfriado, mas o conjunto dos fatos levou a um resultado, no mínimo, engraçado. Não chegou a fazer sol hoje, mas se tivesse feito a água da caixa estaria morna. Isso, claro, se eu não a tivesse esvaziado. Como tudo estava dando muito "certo" neste dia, também o tempo veio ajudar. Na hora do banho, o vento forte levantava as cortinas, o corpo frio sem atividade pedia banho. O chuveiro queimado. A caixa com água gelada.
Pela primeira vez em uma semana acendi o fogão. Para esquentar a água do banho. O banho de um sábado quase perfeito.

domingo, 22 de agosto de 2010

Enquanto não vem

"De vez em quando é preciso levar uma chacoalhada para ver se a coisa funciona".
Sentada diante do computador, no silêncio de seu escritório, essa era a frase que passava em sua cabeça sem parar. "Muito bem. Agora falta..." Faltava tudo e ela sabia disso. Há dias escrevia num frenesi as linhas que formariam o seu grande trabalho. Olhava para as frases e para o texto no todo e sentia imenso orgulho. A incrível sensação de criar. De criar algo só seu.
Mas aquele não era um trabalho só seu. Não poderia ser. Teria que ser publicado. Para isso lhe pediram o texto.
Suas noites perdiam-se nas palavras que acabava escrevendo. Um café, um cigarro, uma música inspiradora.
Antes do dormir passava muitos minutos pensando no que havia escrito e por vezes decidia apagar boa parte e fazer melhor. Ela podia se dar a este luxo. Reescrever quantas vezes fosse preciso. Buscava a perfeição.
Mas um dia teria que entregá-lo, e não ousou dizer que não estava ansiosa: suava frio. Ensaiou por horas a apresentação na frente do espelho. E quando o dia chegou, parecia confiante.
Imprimiu às pressas o texto todo e saiu. Chegou suada, ofegante e com o famoso sorriso estampado na cara.
A apresentação foi um fiasco. "Meu Deus, o que estou fazendo?" - pensava enquanto as palavras lhe fugiam. As pernas já não suportavam o seu peso. A mochila parecia pesar toneladas.
O resultado que começou a se delinear desde o início de sua fala, lhe cortou o coração. "Como é que eu pude estragar tudo?". Não sabia. Não acreditava. Era impossível que aquilo tivesse ocorrido. Na verdade, não era mais.
Voltou para casa com um nó na garganta. Apenas o orgulho a impedia de chorar. "Para que me contenho? As paredes acaso me censurarão?". Mal podia olhar-se no espelho. Mal podia acreditar no malfadado resultado de tanto tempo de dedicação.
Olhava sua xícara e pensava que, talvez, aquilo tudo pudesse ter um lado bom. "Talvez fosse exatamente o que eu precisava..."
Repetia incansavelmente esse tipo de frase. Inclusive em voz alta. Para ter certeza. Em alguma hora funcionaria...
E enquanto a certeza não vinha, ficava paralisada, de corpo e de mente, na frente de seu computador.

Rotina

O corpo obediente segue rigorosamente as regras. Levanta na mesma hora todos os dias, ciente que precisa naqueles poucos minutos dar conta de todo um ritual: banho, café, roupas do dia, maquiagem. Correr para o ponto de ônibus. Sorrir para as pessoas. Bater o ponto no trabalho, arrumar a mesa para mais um dia. Atender "sorridente" ao telefone, passar informações. Dar conta de tudo até o fim do expediente.
Não gosta, mas aceita. Age mecanicamente, como se não houvesse alternativa. Esquenta a marmita que precisa levar todos os dias. Não ha tempo de ir para a casa. Sorri, segura as lágrimas, explica calmamente. Discute sem muita convicção.
Aceita.
Aguarda ansioso pelo momento final. Aqueles últimos dez minutos em que sente o peso do dia - mais um dia - diminuir. Fará agora o processo inverso até voltar ao lar. Tenta mudar os caminhos, criar outras rotinas; tenta, enfim, acreditar que é possível mudar alguma coisa. Dentro deste corpo, ha vida ainda. Sim.
Uma vida frágil, delicada. É assim que sente esse fio de vida. Agarra-se a esta ponte para sentir-se ligado à realidade. E parece que é tudo o que pode fazer agora.
Diante de um espelho, no banheiro do trabalho, olha para dentro. Dentro do corpo ha algo mais, algo que ninguém compreende. Algo que espera o momento em que poderá libertar-se.
Uma hora de vento de rosto, de suor, de cansaço, de um riso incontido, verdadeiro. Uma hora inteira de vida.
Músicas. As mesmas de todo dia, mas que lembram ao corpo que ha algo mais, que ainda ha o que fazer. São escolhidas com muito cuidado. São escolhidas pela voz daquela vida que o corpo guarda com extremo cuidado.
Já é tarde. O corpo continua a trabalhar, a seguir seu rigoroso relógio. Não deixa jamais que algo o impeça de cumprir o ritual completo de maneira impecável.
Um dia, talvez. Mas não hoje. Está na hora de apagar a luz.

sábado, 31 de julho de 2010

A day in the life



A boca seca. O tempo parece não passar mais. Pela janela pode ver as árvores. Nem uma folha se mexe. Nem ao menos o vento quer passar por ali.
Passou dias a esperar, e continuará assim. Não sabe ao certo se por muito ou pouco tempo, mas continuará esperando.
Olha. Observa. Espera.
Abre espaço para que tudo aquilo que tanto deseja venha à tona. Liberta seus pensamentos da prisão em que costuma deixá-los durante o dia, durante as horas em que precisa enquadrar-se nas normas-padrão.
Levanta-se e tenta ler o jornal. As falsas boas notícias. Não pode se concentrar. Tenta evitar que as ideias voem àquela velocidade. Tem medo de se perder.
Folheia uma revista, liga a TV, o som. Volta ao jornal. Espera que qualquer brisa venha brincar em seus cabelos. Olha para o relógio.
O seu universo já está quase pronto. As personagens começam a chegar e a ganhar vida. Já não pode evitar.
Naquele turbilhão de imagens e cores sente-se, enfim, realizada. Sorri para si mesma. Satisfeita com sua produção, com aquilo que para muitos não bastaria. Para as sensações que somente ali, naquele espaço único, se pode ter.
E decide enfim ler o jornal. As mesmas notícias de ontem e de sempre, com novas maquiagens, afinal, sua mente não está ali. Nunca está.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Um dia de coala


A contagem regressiva começou. A expectativa aumenta. As idéias que foram durante muito tempo guardadas começam a aflorar. E assim seguiu-se o antepenúltimo dia.
O coala Chinês com sua mentezinha quase perversa sonha. Seus sonhos para alguns parecem pesadelos, para outros são apenas absurdos. Para o pequeno marsupial, tão frágil, são a esperança de permanecer vivo, mesmo que seja na lembrança, dele, ou na de alguém.
“Fosse outra época...” chega a pensar. Põe-se a imaginar todas as possibilidades de vida diversa da que leva. Outra vida, onde não estivesse preso tão somente para ser observado. É verdade que lhe admiram, que sorriem quando o vêem, chegam a amá-lo, mas nunca se perguntam se é aquilo mesmo que deseja. Passa seus dias a imaginar, então, a vida que deseja. Não que por vezes deixe de perceber que está feliz. Feliz, essa definição ainda não está completa em seu ser, mas sim, afirma que em muitos dias é assim que se sente.
No entanto, não se esquece de seus sonhos, de seus desejos mais íntimos. Pensa não em tudo o que faria, mas em tudo o que poderia fazer caso vivesse de outra maneira, caso vivesse livre daquela prisão que insistem em chamar de lar, e que, também ele muitas vezes acredita ser seu lar.
No fim de cada tarde, ao descer de sua árvore, local onde passa boa parte de seu tempo, e deitar na aconchegante grama que lhe serve de cama, só lhe resta fechar os olhos e, como um sorrisinho maroto nos cantos dos lábios, sonhar com a vida que um dia, certamente, terá.

sábado, 3 de julho de 2010

O corpo em choque


Você pensa estar preparado. Parece que nada mais poderá te pegar de surpresa.
Você se considera uma pessoa precavida, já passou muitas noites imaginando diversas coisas, boas e ruins, que poderiam acontecer a você ou a pessoas próximas a você.
Nada mais parece te pegar desprevenido...
Até que você olha pela janela da sua casa e toma um susto!!!
A primeira reação é... não ter reação alguma. As pernas começam a tremer, as mãos também e o seu cérebro não processa nada de maneira que você considere coerente. Alguns barulhos à sua volta somem, alguns outros parecem ficar alarmantemente altos.
Os músculos tensos, a respiração acelerada.
Demora um pouco - que te parece uma eternidade - para tudo ir voltando ao normal e você poder dar o primeiro passo rumo à porta e descobrir o que aconteceu.
Vai, lentamente e se perguntando como é que todas aquelas horas de "treinamento" puderam ser tão estúpidas, já que agora, diante do problema real você fica assim...
Aos poucos a respiração volta ao normal. Parece que você enfim retoma o controle sobre você mesmo. Parece.
Quando enfim percebe que as coisas não foram tão ruins quanto poderia ter sido, até é possível sorrir e respirar aliviado, mas tão logo fique sozinho, as mãos perderão - ainda que por alguns minutos - a força habitual.
Qualquer demora no contato parece infinita. Todos os teus contatos parecem off-line e é assim que você gostaria de estar também: in off.
Um contato. Um pouco mais de alívio, e inúmeras idéias estapafúrdias passam pela sua mente quase em branco.
Um café, um cigarro. O relógio. A tv desligada. Só o ronronar de uns gatos, o barulho do PC ligado. Além disso, o silêncio absoluto.
Sábado, três de julho. Um dia verdadeiramente tenso. Um prejuízo grande despejado na garagem. Aquela pessoa aguardando atendimento. Um telefonema atendido. A irmã indo ao casamento não pode falar com você. Mas agora está tudo bem. Espero...

domingo, 27 de junho de 2010

Um minuto

Não é que faltem ideias! Não! Elas brotam com uma rapidez incrível. Penso que ás vezes falta mesmo é inspiração.
A inspiração que teima em chegar e não ficar, que insiste em partir ao menor sinal de decisão de escrever.
As ideias estão todas aqui, fortes e a cada dia se tornando mais claras, quase palpáveis.
Acontece que de repente elas fogem, como se a coragem de expô-las escorresse por entre os dedos.
Deito em minha cama, apoio a cabeça no travesseiro e, como num sonho que sonho acordada, elas surgem. Inundam meu quarto, remodelam a realidade, colorem tudo à minha volta...
Por mais que eu tente segurá-las, mostro-me incapaz de fazê-lo.
E dói. Dói a mesma dor da perda de um ente querido, a mesma dor de uma parte perdida, pois ainda que não me tenha deixado para sempre, compreendo que de dentro de mim, este filho não deseja sair.

domingo, 9 de maio de 2010

Era uma vez



Era uma vez uma vida onde as pessoas cumpriam suas atividades de maneira magnífica. Todos tinham o que fazer, mas não havia alguém pra mandar fazer. Mesmo assim, as pessoas faziam de tudo: plantavam e colhiam na época certa, cuidavam dos animais, das casas, das ruas, das famílias, dos negócios.
Nesse mundo, tudo era bem ordenado porque as pessoas tinham plena consciência de que se não fizessem ninguém faria por elas e elas, por sua vez, não poderiam mandar ninguém fazer para que pudessem ficar de pernas pro ar.
Tudo corria perfeitamente bem até que todos os habitantes morreram de tédio.
Desta forma foram criados novos seres para habitar o planeta.
A primeira providência foi estabelecer quem mandaria naquilo tudo para que a nova população não tivesse a mesma sorte da anterior. Todo mundo vivia cansado e aborrecido, mas ainda assim as coisas funcionavam relativamente bem. As crianças iam para a escola, as ruas eram limpas, as casas cuidadas, os animais tratados e no fim do dia, quem mandava ia pra casa feliz e quem era mandado também, mas por razões bem diferentes.
O que mandava chegava em casa feliz por mandar em alguém que no fim das contas e apesar dos aborrecimentos causados, lhe deixava cada vez mais rico. Já o que era mandado ia pra casa todo contente por não ter que fazer muito esforço intelectual, e apesar de aguentar o bolha do chefe por horas intermináveis, seu salário no fim do mês estava garantido.
Ao fim de algum tempo, na mesmice do dia-a-dia, a que as vidas estão condenadas - e não há novidades que façam isso mudar- a população começou a definhar. Não demorou muito para que todos, absolutamente todos, os habitantes do planeta morressem de tédio.
"Ora essas" - disse a voz da criação "de novo morreram de tédio? Por quê?".
E a resposta é muito óbvia pra que alguns de nós se façam de rogados. Nós nunca estaremos satisfeitos com nada. Não importa quão bom pareça a princípio - nem ao meio. No fim tudo é uma grande merda mesmo. O que vai mudar é nossa capacidade de disfarçar, fingir que não viu e tapear a realidade com piadas, dramas inexistentes e talvez uma cerveja gelada no fim do dia.
No mais, somos assim mesmo. Para o bem e para o mal...
Fazer o quê...?!

Amar é...



O que é amar? Essa é uma das grandes perguntas que nos fazemos uma vez ou outra na vida. A resposta? Talvez poucos a tenham encontrado ao longo da vida, mas sempre há uma idéia geral sobre o assunto.
Quando duas pessoas estão apaixonadas, dizem que aquela sensação de bem-estar, de prazer incrível, aquela vontade de estar sempre perto e aquele desejo incrível de satisfazer o outro é amor.
É inegável que existem muitas formas de amor, e de amar, claro. Alguns juram que amar é estar sempre - sempre mesmo - junto ao outro, outros dizem que isso é sufocar, e que prova de amor mesmo é deixar o outro livre pra fazer suas escolhas. Particularmente, eu fico com a segunda hipótese.
Estar livre e deixar livre, me parece a melhor maneira de mostrar esse amor, ou seja lá como quer que se chame um sentimento que una duas - ou mais - pessoas. Por que amor não pode ser prisão, portanto não pode ser reduzido a um.
Não considero amor prender a pessoa pra sempre, impedí-la de sair com os amigos no sábado a noite só porque vai passar aquele filme dramático e lindo na TV. Ou porque não se gosta dos amigos do(a) parceiro(a).
Entendo que a vida dos dois existia separadamente antes do encontro e não há uma fusão instantânea após os coraçõezinhos passarem a rondar o olhar de cada um.
Por mais difícil que ás vezes seja - e muitas vezes é - permitir ao outro que se afaste, ainda que seja por uma longa noite de sábado, é um grande passo. Um voto de confiança, um momento de se curtir, pensar, rever prioridades e aprender que embora a companhia seja perfeita, de vez em quando - pra se falar o mínimo - estar longe é bom.
Existem escolhas que vão doer, que no momento parecerão causar mais danos que alegrias, mas se não as fizermos estaremos infringindo um direito do outro: o de ser livre. E ás vezes cortamos pela raiz o direito do outro de ser feliz.
Obviamente é preciso chegar a um consenso, os dois devem estar cientes das escolhas e dispostos a ceder.
E ceder parece ser a regra maior dos relacionamentos, pois sempre que a questão do amor é levantada, vem alguém nos lembrar que se um dos lados não ceder a coisa não funciona.
Pois é... aparentemente a discussão pode não chegar nunca a um fim. E é por isso que eu não gosto de falar sobre amor.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Quanto vale?


É preciso ter um preço. É preciso falar de valores. É preciso render muito, porque senão, não interessa.
É assim que tem sido nos últimos tempos. Tudo aquilo que você deseja, aquilo com o que sonha precisa te dar LUCRO.
Tem sido muito difícil encontrar pessoas que valorizem o simples fato de se fazer algo porque se gosta daquilo, por simples prazer, para pura satisfação e nada mais.
Quando se fala em projetos, em estudos, em viagens, em qualquer coisa, os olhos do interlocutor brilham e a pergunta vem: "quanto você vai ganhar com isso?". Se a resposta for "Nada" a expressão de desânimo aparece mesmo que tentem disfarçar - principalmente se você estiver disposto a pagar por este seu plano que não vai lhe dar dinheiro em troca. E então começa a nova fase, a de te convencer que isso não é legal, que se você procurar bem vai encontrar algo pra fazer que no fim de algum tempo - que seja rápido muito rápido - vai te dar um retorno financeiro ótimo. Afinal você precisa pensar no seu futuro.
No meu caso, eu penso no meu futuro. E muito.
Penso que não quero chegar aos 50, 60 anos com meus sonhos encaixotados e guardados no fundo do armário porque não me renderiam boas notas de reais. Não quero deixar de fazer aquele curso de nome esquisito porque não me valerá uma promoção no emprego. Não quero passar o resto da vida planejando o que vou fazer em função de quanto vou ganhar - monetariamente falando.
Porque os ganhos não são só estes.
Quero qualidade, quero satisfação por ela apenas. Quero me sentir plena, viva, e na maioria das vezes, isso anda na contramão do meu enriquecimento.
Quero a liberdade de escolha, o direito de sonhar, de bancar o meu sonho quando e sempre que for possível. Para as pessoas, que em geral vêem apenas como o bolso ficará no fim da história isso é coisa de sonhador. Coisa de gente que não tem os pés no chão ou que - não é o meu caso, em definitivo - não precisa se preocupar com dinheiro. Mas se entre tantas preocupações que o dinheiro - ou melhor, a falta dele - me causa, eu não puder vislumbrar algo além, é melhor desistir de tudo e assumir que serei mais um burro de carga, trabalhando feito uma mula pra quem sabe, lá nos longínquos 60 - ficou legal pensar assim - eu possa colher algo. E que não seja só para pagar as contas dos remédios...


segunda-feira, 22 de março de 2010

Down

Cinza.
Não parece haver muita esperança. Sequer parece haver explicações.
Rimos. Rimos até perder o fôlego. Rimos até cair de cara na realidade.
Quisera não ter rido tanto.
Depois do breve espetáculo, o frio percorre a espinha como a nos lembrar que não há a menor graça naquilo tudo. Não há a menor graça naquelas paredes desbotadas e sujas de gordura, naquelas cadeiras velhas com manchas de mofo, naquela luz amarela.
Os dias chegam ao fim. Lentamente. Len-ta-men-te.
E já não vemos mais motivos para rir.
Olhamo-nos com olhares perdidos, quase que se desculpando pelos modos de outrora.
Esperamos ansiosos a chegada do novo dia para nos separarmos e não termos que olhar os pesadelos um do outro. Porque só que o restaram pesadelos. Cada um com os seus, e os dois com os que geramos juntos, durante a noite, na mesa, olhos nos olhos.
Sonhos? Ah! Aqueles sonhos desfizeram-se. Como chocolate em leite quente. Com um detalhe: neste caso, não há o calor reconfortante da bebida citada.
Não! Não há nada de engraçado em tudo isso.
Mesmo passando o dia todo sorrindo, aos poucos que podem ver-nos a alma é possível adivinhar que tudo não passa de uma tentativa de aliviar o coração.
Mais uma vez, contra a nossa vontade, mas para além de nossas forças, os sonhos morreram. Nossas flores morreram apesar de todo carinho dedicado, das horas de cuidado com poda e rega.
E não. Não há a menor graça em nossas flores mortas.

Possibilidades


Ás vezes tenho a impressão de estar sempre caindo. Como naquele sonho em que acordamos assustados, quase caindo da cama.
Penso em por que as coisas precisam ser como são, e, se na verdade, poderiam ser diferentes.
Olhando à minha volta questiono a realidade. Questiono meus desejos, minhas possibilidades. Na maioria das vezes só acredito em meus sonhos. Quando os tenho.
Nem sempre é possível encontrar um porto seguro dentro de nós mesmos.
Haverá um porto seguro em algum lugar?
De repente as coisas parecem entrar em seus devidos eixos.
Você se torna capaz de sonhar novamente e de acreditar, como nos dizem para fazer, que tudo é possível. Fazemos apostas, jogamos alto, disparamos numa corrida onde não se pode imaginar o final. E fazemos tudo isso cheios de esperança, de confiança, de alegria.
Uma hora, no entanto, o caminho parece ter se tornado longo demais, perigoso demais, e ao olhar ao redor nada reconhecemos, nem mesmo nossas próprias faces, tão distintas daquela que vimos tempos atrás no espelho.
Nossos olhos estão cansados, e mais que isso, estão tristes. Decepcionados. Só pensamos em acordar, levantar, tomar alguma coisa que suprima essa secura na garganta. Que elimine o gosto amargo na língua. Que faça a realidade parecer um pouco menos acinzentada.
Mas não. Não é possível.
Abro os olhos no escuro do quarto. A lágrima morna rola no rosto.
Mais uma vez foi quase possível tocá-los. Meus sonhos.
Meus sonhos de papel.
Quanto tempo se passou? Quanto tempo estive a dedicar a estes planos? Não sei. Nunca sabemos ao certo.
E sempre haverá alguma possibilidade...

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Em branco



Uma das coisas que mais irrita é não conseguir definir uma linha de pensamento pra embasar um projeto ou algo que o valha.
Nos últimos dias é justamente o que tem ocorrido com uma frequência terrível.
Paro em frente a meus livros, folheio-os, resgato antigos escritos, pesquiso coisas novas e... No fim pareço bloqueada. Com a caneta na mão, papel na frente, as idéias parecem fugir, e termino olhando para uma folha em branco, com um tufo de cabelos entre os dedos, alimentando uma velha mania de puxá-los e enrolá-los enquanto tento resolver - ou esquecer - o problema.
As conversas parecem perder a razão de ser, tudo parece entediante, cansativo e chato, simplesmente pelo fato de eu estar tentando escolher, detalhar, seguir uma linha reta de pensamento e escrever um projeto.
De repente surgem todos os assuntos interessantes do mundo, vejo reportagens, ouço histórias, relembro fatos, tudo ao mesmo tempo, impedindo meu pensamento linear e coerente.
Ouço a voz de uma professora dizendo: "escolha um tema e siga em frente", mas é justamente esta escolha que aprece ser impossível.
Não que eu seja obrigada a escolher e fazer este projeto, no entanto, sinto falta desse tipo de "alimentação". Me irrita mais não o fato de não conseguir nunca escolher o tema mas de sentir que é necessário fazê-lo para manter - por incrível que isso possa parecer aos olhos de outras pessoas - a minha sanidade.
Acabo rindo sozinha desse desespero. Tempo... Relativamente ainda o tenho. Nem ao menos existe a certeza de que utilizarei este trabalho.
Ansiedade... Que coisinha mais irritante. Seria muito bom se desse pra desligar esse botãozinho e passar uns dias in off, totalmente em branco e sem culpa.
Sei que meu sono se perde nessas horas infinitas de "seleção de material", de supostas avaliações, e de meu próprio conceito sobre o que escreverei. Mas no fim, levanto como que extasiada por ter investido meu precioso tempo - das 23 às 6h - dedicando-me a essas conjecturas.
Também me parece óbvio que ou eu tomo uma decisão definitiva, ou deixo de esquentar a cabeça com essas torturas auto-infligidas.
Porém, de certa forma, sofrer com um propósito desses é muito interessante, uma pelo fato de que o ser humano sempre busca "sarna pra se coçar" e outra que se não resultar ao menos num projeto decente, já deu pra escrever uma nova história, que certamente me renderá gargalhadas no futuro. Só espero que não seja um futuro distante...

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Quente lentidão



Um calor arrasador.
É impossível pensar. Impossível comer. O corpo só não rejeita a água.
As noites parecem curtas, o sono inquieto. Os dias longos demais, o ânimo irritadiço.
Tudo se torna imensamente chato, cansativo. Falar parece difícil.
O corpo arfante.
As leituras se tornam lentas, assim como os movimentos, a interpretação, a produção.
Nestes dias de horas quentes qualquer brisa tem um poder imenso. O corpo nu e úmido parece uma benção.
A espera da água que vem do céu é quase torturante. Mas há dias ela não chega. Parece se evaporar antes de nos brindar com seus cristais. Parece não ter mais o intuito de nos alegrar e nos proteger contra esse momento que chega, sim, a parecer uma prévia do inferno.
Dias mornos são bem vindos, mas dias sufocantes como os que temos vivido, são amedrontadores. A única coisa que brota nos confins da mente é a imagem incessante de dias de chuva e a bela lembrança dos dias cinza, que desta vez, tardam a chegar.
O ato de respirar é sufocante, como se a cada lufada de ar a pele e os pulmões se enchessem de areia, a temperatura aumentasse, a vontade de qualquer coisa se extinguisse. A compreensão das coisas se torna lenta, como os passos.
São dias que não possuem mais a beleza, a alegria. São dias pintados com a cor triste do pó. A natureza se resseca, bem como parece secar a alma diante da vermelhidão do dia.
As plantas de folhas murchas, os animais de olhar lânguido, o solo abrasador. Tudo, tudo colabora para a sensação de calor, de tédio, de sufocamento, de quase desespero.
Olhar o acúmulo de papéis, de tarefas, de tudo o que não envolva água e poucos movimentos, lembra o quão quente são esses dias. E mesmo assim, brincando na água e com poucas atividades, é impossível esquecer o verão.
E a espera pelo seu fim, pela chegada das chuvas, do outono, do inverno se intensifica. Sempre na esperança de livrar-nos da punição antecipada, do castigo que alguns julgam necessário. Afinal, há de se entender que nem todos precisam arder nessas chamas do mal.