domingo, 18 de outubro de 2009

Cinzas

Através das vidraças vê-se o pequeno movimento. Lá fora a chuva forte lava as ruas e as almas daqueles que se atrevem a sair para enfrentá-la.
O andar rápido, quase um correr, não se sabe se de pressa ou de cautela - talvez para tentar não se molhar tanto, quase sempre esforço inútil - anima um pouco o dia cinzento.
Dali, detrás das vidraças, não há o que temer. O calor da sala, o quase conforto do assento, torná-a apenas uma espectadora.

Assiste àquele evento como se não partipasse dele. Como se do lado de fora estivessem apenas atores. Como se fosse realmente uma encenação.
Olha para dentro. Para os que também - assim como ela - assistiam, inertes, ao espetáculo.
Ora, não! Não estão vendo nada.
Distraídos com outras coisas talvez, não se sabe. Ela não sabe.
O que sabe apenas é que eles não podem ou não querem - talvez não consigam - contemplar o mesmo que ela: a beleza do dia cinza com seus poucos protagonistas. A beleza daquele dia singular, cinza e úmido. Morno.
Seus atores todos, molhados, rápidos, desconhecidos.
Talvez - quem saberia dizê-lo - felizes, como ela, sentindo-se mais leves depois do banho que lava e leva aquele pó, aquele negrume que se acumulou ao longo da semana.
Semana que enfim chega ao fim, abrindo as portas para aqueles dias tão sonhados: cinzas, calmos, silenciosos. Sem o brilho dos atores do dia anterior, os da chuva, porém, dias nos quais ela poderia se realizar plenamente, fosse no aconchego das almofadas na cama, durante a leitura de um de seus livros de cabeceira, fosse nos braços quentes de seu homem.
Dias que a renovariam, que a tornariam mais forte e mais atenta.
Sim! Atenta aos pequenos espetáculos que a vida costuma oferecer, quase que com exclusividade para ela.
Enquanto esses dias não chegam, fica ali, em silêncio, olhando fixamente para as cinzas do dia, para suas lágrimas deixadas na vidraça.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Imaginário



Pulsa. Meu coração.
Corre. O tempo.
Páro e penso.
É pena, já passou...


Não quero morrer sem deixar nada.
Não quero partir deixando nada mais que meus medos, minhas incertezas e meus desejos não realizados.
Mas me pergunto: como e quando abandonarei de vez essa inércia?
Não encontro respostas.


A cada dia pareço desperdiçar meus sonhos, meu tempo, meus planos.
E parece que faço isso desacreditando. Sim.
Desacredito que sejam possíveis, que sejam viáveis.
Talvez porque pareça mais fácil assim.
As dúvidas, as únicas que jamais cessam.
Inventamos motivos, desculpas para nosso fracasso(?). As desistências. Inúmeras.
Haverá um dia em que nos daremos conta desse nosso auto-boicote e mudaremos isso? É possível fazer isso?
Será que estamos fadados a puxar nossos próprios tapetes?
Seria talvez o medo do incerto?
Medo de viver uma vida que seja diferente do vazio cotidiano, mas - ao menos em nosso imaginário - confortável, na qual assentamos nossos sonhos? Os mesmos que depois abandonaremos?
Não sei. Não sei se é possível saber. Ou se é possível tirar as vendas de meus olhos que me impedem de ver adiante.
Continuo aqui, sentada com um cigarro na mão. Imaginando que sim, que essa inoperância se transforme em ação, Ação consciente.
Mas aqui, sentada. Olhando minha fumaça. A mesma que imagino, levam meus sonhos e planos...