segunda-feira, 22 de março de 2010

Down

Cinza.
Não parece haver muita esperança. Sequer parece haver explicações.
Rimos. Rimos até perder o fôlego. Rimos até cair de cara na realidade.
Quisera não ter rido tanto.
Depois do breve espetáculo, o frio percorre a espinha como a nos lembrar que não há a menor graça naquilo tudo. Não há a menor graça naquelas paredes desbotadas e sujas de gordura, naquelas cadeiras velhas com manchas de mofo, naquela luz amarela.
Os dias chegam ao fim. Lentamente. Len-ta-men-te.
E já não vemos mais motivos para rir.
Olhamo-nos com olhares perdidos, quase que se desculpando pelos modos de outrora.
Esperamos ansiosos a chegada do novo dia para nos separarmos e não termos que olhar os pesadelos um do outro. Porque só que o restaram pesadelos. Cada um com os seus, e os dois com os que geramos juntos, durante a noite, na mesa, olhos nos olhos.
Sonhos? Ah! Aqueles sonhos desfizeram-se. Como chocolate em leite quente. Com um detalhe: neste caso, não há o calor reconfortante da bebida citada.
Não! Não há nada de engraçado em tudo isso.
Mesmo passando o dia todo sorrindo, aos poucos que podem ver-nos a alma é possível adivinhar que tudo não passa de uma tentativa de aliviar o coração.
Mais uma vez, contra a nossa vontade, mas para além de nossas forças, os sonhos morreram. Nossas flores morreram apesar de todo carinho dedicado, das horas de cuidado com poda e rega.
E não. Não há a menor graça em nossas flores mortas.

Possibilidades


Ás vezes tenho a impressão de estar sempre caindo. Como naquele sonho em que acordamos assustados, quase caindo da cama.
Penso em por que as coisas precisam ser como são, e, se na verdade, poderiam ser diferentes.
Olhando à minha volta questiono a realidade. Questiono meus desejos, minhas possibilidades. Na maioria das vezes só acredito em meus sonhos. Quando os tenho.
Nem sempre é possível encontrar um porto seguro dentro de nós mesmos.
Haverá um porto seguro em algum lugar?
De repente as coisas parecem entrar em seus devidos eixos.
Você se torna capaz de sonhar novamente e de acreditar, como nos dizem para fazer, que tudo é possível. Fazemos apostas, jogamos alto, disparamos numa corrida onde não se pode imaginar o final. E fazemos tudo isso cheios de esperança, de confiança, de alegria.
Uma hora, no entanto, o caminho parece ter se tornado longo demais, perigoso demais, e ao olhar ao redor nada reconhecemos, nem mesmo nossas próprias faces, tão distintas daquela que vimos tempos atrás no espelho.
Nossos olhos estão cansados, e mais que isso, estão tristes. Decepcionados. Só pensamos em acordar, levantar, tomar alguma coisa que suprima essa secura na garganta. Que elimine o gosto amargo na língua. Que faça a realidade parecer um pouco menos acinzentada.
Mas não. Não é possível.
Abro os olhos no escuro do quarto. A lágrima morna rola no rosto.
Mais uma vez foi quase possível tocá-los. Meus sonhos.
Meus sonhos de papel.
Quanto tempo se passou? Quanto tempo estive a dedicar a estes planos? Não sei. Nunca sabemos ao certo.
E sempre haverá alguma possibilidade...