domingo, 22 de agosto de 2010

Rotina

O corpo obediente segue rigorosamente as regras. Levanta na mesma hora todos os dias, ciente que precisa naqueles poucos minutos dar conta de todo um ritual: banho, café, roupas do dia, maquiagem. Correr para o ponto de ônibus. Sorrir para as pessoas. Bater o ponto no trabalho, arrumar a mesa para mais um dia. Atender "sorridente" ao telefone, passar informações. Dar conta de tudo até o fim do expediente.
Não gosta, mas aceita. Age mecanicamente, como se não houvesse alternativa. Esquenta a marmita que precisa levar todos os dias. Não ha tempo de ir para a casa. Sorri, segura as lágrimas, explica calmamente. Discute sem muita convicção.
Aceita.
Aguarda ansioso pelo momento final. Aqueles últimos dez minutos em que sente o peso do dia - mais um dia - diminuir. Fará agora o processo inverso até voltar ao lar. Tenta mudar os caminhos, criar outras rotinas; tenta, enfim, acreditar que é possível mudar alguma coisa. Dentro deste corpo, ha vida ainda. Sim.
Uma vida frágil, delicada. É assim que sente esse fio de vida. Agarra-se a esta ponte para sentir-se ligado à realidade. E parece que é tudo o que pode fazer agora.
Diante de um espelho, no banheiro do trabalho, olha para dentro. Dentro do corpo ha algo mais, algo que ninguém compreende. Algo que espera o momento em que poderá libertar-se.
Uma hora de vento de rosto, de suor, de cansaço, de um riso incontido, verdadeiro. Uma hora inteira de vida.
Músicas. As mesmas de todo dia, mas que lembram ao corpo que ha algo mais, que ainda ha o que fazer. São escolhidas com muito cuidado. São escolhidas pela voz daquela vida que o corpo guarda com extremo cuidado.
Já é tarde. O corpo continua a trabalhar, a seguir seu rigoroso relógio. Não deixa jamais que algo o impeça de cumprir o ritual completo de maneira impecável.
Um dia, talvez. Mas não hoje. Está na hora de apagar a luz.

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