domingo, 22 de agosto de 2010

Enquanto não vem

"De vez em quando é preciso levar uma chacoalhada para ver se a coisa funciona".
Sentada diante do computador, no silêncio de seu escritório, essa era a frase que passava em sua cabeça sem parar. "Muito bem. Agora falta..." Faltava tudo e ela sabia disso. Há dias escrevia num frenesi as linhas que formariam o seu grande trabalho. Olhava para as frases e para o texto no todo e sentia imenso orgulho. A incrível sensação de criar. De criar algo só seu.
Mas aquele não era um trabalho só seu. Não poderia ser. Teria que ser publicado. Para isso lhe pediram o texto.
Suas noites perdiam-se nas palavras que acabava escrevendo. Um café, um cigarro, uma música inspiradora.
Antes do dormir passava muitos minutos pensando no que havia escrito e por vezes decidia apagar boa parte e fazer melhor. Ela podia se dar a este luxo. Reescrever quantas vezes fosse preciso. Buscava a perfeição.
Mas um dia teria que entregá-lo, e não ousou dizer que não estava ansiosa: suava frio. Ensaiou por horas a apresentação na frente do espelho. E quando o dia chegou, parecia confiante.
Imprimiu às pressas o texto todo e saiu. Chegou suada, ofegante e com o famoso sorriso estampado na cara.
A apresentação foi um fiasco. "Meu Deus, o que estou fazendo?" - pensava enquanto as palavras lhe fugiam. As pernas já não suportavam o seu peso. A mochila parecia pesar toneladas.
O resultado que começou a se delinear desde o início de sua fala, lhe cortou o coração. "Como é que eu pude estragar tudo?". Não sabia. Não acreditava. Era impossível que aquilo tivesse ocorrido. Na verdade, não era mais.
Voltou para casa com um nó na garganta. Apenas o orgulho a impedia de chorar. "Para que me contenho? As paredes acaso me censurarão?". Mal podia olhar-se no espelho. Mal podia acreditar no malfadado resultado de tanto tempo de dedicação.
Olhava sua xícara e pensava que, talvez, aquilo tudo pudesse ter um lado bom. "Talvez fosse exatamente o que eu precisava..."
Repetia incansavelmente esse tipo de frase. Inclusive em voz alta. Para ter certeza. Em alguma hora funcionaria...
E enquanto a certeza não vinha, ficava paralisada, de corpo e de mente, na frente de seu computador.

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