sexta-feira, 6 de março de 2009

Que dia é esse?

Acordo às cinco horas da manhã, e, de segunda à sexta-feira, enfrento mais de uma hora em dois ônibus lotados, por um trânsito infernal, rumo ao meu trabalho.
Às segundas e quintas, após o expediente que encerra às dezessete horas e quarenta e oito minutos, depois de enfrentar cerca de uma hora de ônibus, novamente pelo trânsito caótico, enfrento as quatro horas de aula na universidade, de onde saio às vinte e duas horas e quarenta e cinco minutos - pouco antes de terminar efetivamente o horário de aula - para pegar o ônibus que me levará então para casa, onde devo chegar por volta da meia-noite e vinte.
Preciso encontrar tempo para limpar a casa, dar banho nos gatos, lavar a roupa, manter unhas, cabelo e pele lindos porque, embora não seja mais publicado em anúncios de emprego, a boa aparência é o que pesa quando você procura uma vaga no mercado de trabalho e, embora tenha terceiro grau completo, é encaminhada para ser recepcionista; você tem um belo sorriso, seus olhos são muito expressivos, que corpo bonito. Essas são as qualidades da recepcionista, que claro, precisa ter uma boa - não ótima - digitação e saber ao menos usar o corretor ortográfico. Precisa saber que a empresa não tem coração e que seu salário embora seja pouco maior que o salário mínimo, é tido como mais do que necessário, afinal você só está ali sentada, sorrindo e fingindo que seus problemas não existem, que suas contas não venceram, que sua casa não precisa de limpeza, que seus filhos não sentem saudades, que seu parceiro(a) não precisa de seu colo.
Aí, chega o bendito dia. Você recebe uma centena de e-mails, recheados de belas palavras, de muita poesia, com dados chocantes, com imagens que se fixam em sua mente. No fim do expediente sua caixa de entrada está lotada. Ninguém fala mais com você. Apenas te fazem ler. O teu chefe, que disse há poucos minutos que a empresa não tem coração, te manda um e-mail dizendo que as mulheres são o coração da empresa. No fim das contas, com um pouco de esforço, faz-se a pequena associação: eu não sou nada aqui dentro.
Vai para casa, tenta chegar com os olhos abertos, fazer o que precisa, lavar uniforme, corrigir a droga do esmalte que estragou quando foi empurrada no ônibus. Passar a roupa para o dia seguinte, e quase morta, tomar um banho, escovar os dentes e, literalmente, desmaiar.
Esses são meus dias. Meus dias de mulher, dia que milhões de mulheres conhecem e vivem da mesma maneira, ou pior.
Os dados estão aí, violência, física e psicológica, dentro e fora de casa, estranhos ou amados, morte precoce, por qualquer coisa que antes matava muito pouco e muito tarde, estresse, ódio, envelhecimento, tumores, rugas, busca incansável por uma beleza mentirosa, mas que é a que a sociedade diz ser a melhor, dietas malucas, desmaios por conta disso, anti-depressivos, soníferos, estimuladores de humor. Acabamos todas diagnosticadas bipolar. Seria engraçado se não fosse tão triste.
Minha ex-ginecologista me indicou o uso de DIU mesmo sabendo que eu tinha um mioma no útero. Era uma mulher. Cansada, irritada, pensando nos filhos, na casa, no parceiro, na profissão talvez. E cometeu um grande erro.
E quantos erros são cometidos da mesma maneira? Quantas mulheres queimam a comida, esquecem os filhos na escola, faltam a reuniões, aulas, mandam e-mail certos para as pessoas erradas, etc? E porque?
Não tenho as respostas, nada é conclusivo, e as pessoas não são todas iguais. Estamos em constante mudança, e o que é para mim pode não ser para você, mas é bom para se pensar, não é mesmo?
Meu dia de mulher, é todo dia. É de segunda a sexta, quando abro os olhos ao som do despertador, que me lembra que preciso tomar banho, passar a maquiagem, creme, perfume, vestir o uniforme, tomar café, escovar os dentes, verificar se os gatos tem comida e água, correr pro ponto de ônibus; pegar outro ônibus, descer numa rodovia perigosa, comer bolachas na minha uma hora de almoço como quase única alternativa de comida, sonhar com o horário de sair, conseguir, apesar disso, realizar o trabalho de maneira exemplar, voltar pra casa e manter o bom humor, a esperança. Meu dia de mulher é todo sábado e domingo, quando entre todos os afazeres, encontro tempo para cuidar de mim, para ler, para encontrar meus amigos, mesmo que seja pelo msn, para saber o que aconteceu durante a semana, para descansar, para me preparar para meus dias de mulher durante a semana.
E, por fim, no dia 08/03 receber alguma coisa que me lembre que alguém lutou para que eu acreditasse que teria plenamente uma coisa: Dignidade.

2 comentários:

  1. Meu bem, você escreve muito! Gostei daqui.
    Um beijo.

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  2. Aff!
    Eu tenho sofrido com a rotina. Poxa! Viver em um mundo dito civilizado é osso.
    Bom fds! BeijOS

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